À medida em que as negociações da CoP18 avançam dentro de sua segunda semana, tornam-se mais claros os pontos que exigem coragem e força política. É nesta hora que saudamos a chegada dos ministros e chefes de delegação com poder similar: são eles os homens e mulheres que podem decidir. Sejam bem vindos, portanto: é hora de fazer a diferença!
Como era de se esperar, pelo ritmo claudicante da primeira semana de trabalho no Centro Nacional de Convenções do Catar, sobrou muita coisa para as chamadas sessões de alto nível. Foi essa, inclusive, a admissão feita pelos chairs dos corpos subsidiários técnicos (SBI e SBSTA) e dos grupos de trabalho do KP (Protocolo de Quioto), LCA (Ações Comprometidas de Longo Prazo) e ADP (Plataforma Durban de Ação) na sessão de consultas informais às partes, realizada nesta segunda. É nestas cinco instâncias de debates e elaboração de textos que se analisam detalhes práticos sobre mensuração e também conceitos quase filosóficos, como equidade. Parece complicado, mas o objetivo é exatamente o oposto: dividir o trabalho, que é complexo por natureza, para que cada tema possa ser avaliado minuciosamente.
O Protocolo de Quioto é, certamente, o tema mais candente: desde que o Japão anunciou que não integraria seu segundo período de compromisso, em Cancun, na CoP16, uma nuvem de dúvidas paira sobre suas negociações. Em coletiva de imprensa realizada na segunda-feira pela manhã, Christiana Figueres, chefe da UNFCCC, foi categórica ao afirmar que a CoP18 cumprirá seu mandato de gerar um segundo período de compromisso operacional a partir de 1 de janeiro de 2013. Mas horas mais tarde, na sessão de consultas, a chairdo grupo de trabalho sobre o KP foi mais cuidadosa ao requisitar a atenção dos ministros para pontos que ela classificou de “sensíveis” e com risco de comprometer sua eficácia, como a questão do “hot air” – créditos que as nações do Leste Europeu acumularam com o fim da obsoleta (e poluidora) tecnologia soviética e que querem ver válidos no segundo período de compromisso do Protocolo em uma manobra fatal para qualquer ambição real de corte nas emissões. Também falta consenso em torno de seu prazo de vigência, nível de ambição dos países que a ele aderirem e até sobre a viabilidade de que ele entre efetivamente em operação em 1 de janeiro do próximo ano. Isso sem falar em LULUCF (ou emissões geradas pelo uso da terra, mudanças no uso da terra e florestas), que é outro ponto inacabado das negociações do KP: se não houver consenso, onde este item será alocado no novo formato das negociações que deve ser adotado da CoP19 em diante?
Sem um segundo período de comprometimento, não há, na prática, um Protocolo e, com isso, perdem-se todas as conquistas que ele viabilizou, como os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo e o mercado de carbono – afinal, por que alguém pagaria para emitir CO2 se não tiver metas ambiciosas de redução de emissões? Estes instrumentos visam a estimular os países desenvolvidos a reduzir emissões: sem ele, ou se suas metas forem muito fáceis de serem atingidas, perde-se o estímulo que é fundamental e necessário porque estamos falando de países desenvolvidos, com parques fabris e matrizes energéticas instaladas e consolidadas. Ou seja, mudar o que, em um outro cenário, seria simplesmente mantido. Trata-se de uma realidade completamente diferente dos países em desenvolvimento, nos quais a falta de acesso a energia é ainda o real desafio: nestes casos, o estímulo deve ser dado ao uso de tecnologias limpas para que o atendimento às necessidades da população estejam alinhados aos desafios climáticos.
Mas eis que as negociações sobre tecnologias estão quase moribundas! Elas se encontram dentro do grupo de trabalho para Ações Comprometidas de Longo Prazo (LCA), onde estão os países que não tem o compromisso legal do Protocolo de Quioto. Nele, a indefinição é tanta que nem os próprios delegados tem ideia de como esse trilho de negociações terminará no final da Conferência. Como o Caminho de Bali, criado na CoP13 e que deu origem ao LCA, falava tanto dos prazos para se chegar a um acordo como também sobre seu conteúdo, é bastante improvável que se aprove um texto sem definições sobre REDD, finanças, tecnologia, capacitação – temas sobre os quais os textos encontram-se inacabados.
O que fazer, se o consenso não for alcançado? Migrar sua discussão para o novo caminho, a Plataforma Durban (ADP)? Mas este caminho surgiu com mandato para focar em maior ambição e em um formato legal que abranja todas as partes que integram as negociações climáticas. Irá o ADP abrigar também temas técnicos? Ou eles migrarão para os corpos subsidiários que devem permanecer apoiando as negociações?
Os ministros tem poucos dias e muitos temas sobre os quais deliberar. Porque desde que a CoP15 fracassou na entrega do acordo climático, os negociadores estão correndo atrás do relógio: eternamente atrasados em relação ao cronograma de 2009, nunca com tempo suficiente para tantos assuntos em aberto na mesa. Uma coisa, porém, é certa: estes homens e mulheres podem fazer a diferença. Pois que façam: bem vindos às mesas de negociação!
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* Morrow Gaines Campbell III é especialista em Clima, membro do Conselho de Administração da Climate Action Network (CAN) e
Coordenador do Grupo de Trabalho sobre REDD (Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação de Florestas) da CAN.
Participa de conferências climáticas desde 2007