Sérgio Abranches
A lei sobre resíduos sólidos é um grande avanço na legislação ambiental brasileira. Foi redigida de acordo com os conceitos mais atuais sobre manejo de resíduos sólidos.
Ela pode representar ganhos significativos de saúde, qualidade ambiental e valor econômico. Foi programada para entrar em vigor progressivamente para dar tempo aos municípios e às empresas para se prepararem.
Uma das áreas de impacto relevante da lei é no lixo. Ela proíbe lixões a partir de 2014. Todos os municípios terão que fazer aterros sanitários ou centrais de processamento de lixo. Os aterros não podem ser feitos em determinados locais por razões ambientais. Representam um investimento caro e nem sempre são o melhor destino para o lixo. Grande número de municípios brasileiros não têm coleta de lixo adequada e o lixo acaba nas beiras de estrada, nos rios, em áreas verdes, nas redes pluviais.
Matéria hoje no Valor mostra que parte considerável do custo do manejo do lixo nas cidades é com o transporte para os aterros que ficam a mais de 100 quilômetros de distância. E este transporte é feito em caminhões a diesel, portanto aumentam as emissões de gases estufa e a poluição associadas ao lixo, além de aumentarem o consumo de combustível fóssil. Aterros sanitários nem sempre são bem feitos e acabam sendo fonte de poluição e emissões de metano, um gás estufa muito danoso ao clima.
Muitos municípios brasileiros terão dificuldades, sozinhos, de se enquadrar na nova lei. São pequenos, têm orçamentos limitados e não têm volume de lixo suficiente para dar escala a empreendimentos econômicos rentáveis. Nem por isso seu lixo causa menos danos às suas populações e ao seu ambiente. A solução é a formação de consórcios associando vários municípios na busca por uma solução comum para o lixo.
A matéria de Luciano Máximo para o Valor mostra que outra saída é a parceria público-privada (PPP), principalmente para uso econômico integral do lixo. E a PPP é compatível com consórcios. Um grupo de municípios pode se associar para formar uma única PPP, dando escala a um empreendimento que permite associar seleção, reciclagem, uso econômico de resíduos sólidos e geração de eletricidade.
A lei sobre resíduos sólidos criará várias oportunidades importantes de negócios e é preciso que o restante das políticas governamentais se adeque a ela. Por exemplo, a geração de bioeletricidade vinda de usinas de processamento de lixo precisa ter tratamento apropriado na política energética e é uma boa oportunidade para descentralizar essa política, hoje excessivamente centralizada. O BNDES poderia abandonar linhas de crédito para atividades de alto carbono e destinar uma parcela maior de recursos a projetos econômicos de manejo de lixo municipal. A Caixa poderia parar de salvar bancos privados falidos por incúria e fraude e investir no financiamento de projetos de processamento adequado do lixo urbano. O lixo pode ter elevado valor econômico. Basta saber o que fazer com ele.
Outro exemplo de atividade econômica importante e altamente rentável estimulada pela nova lei é a logística reversa. Ela cria toda uma cadeia de atividades e serviços para recolher, desmontar e processar aparelhos elétricos, eletrônicos, máquinas, de modo a permitir o reuso, a reciclagem e a adequada destinação final dos resíduos inservíveis. É uma atividade de porte que mobilizará vultosos investimentos privados e gerará muitos empregos. Já estão sendo criadas empresas para vender serviços de logística reversa a empresas que não querem ou não têm condições de fazerem por conta própria. Empresas de porte dessa nova indústria no EUA e na Europa se preparam para entrar no mercado brasileiro.
Toda a regulamentação do manejo de resíduos sólidos derivada dessa lei incentiva fortemente a busca de resíduo zero. Ou seja, produtos que, após o uso, sejam inteiramente reusados, reciclados ou aproveitados para geração de energia ou produção de insumos, criando um circuito fechado. A meta de resíduo zero envolve mudança tecnológica, novos investimentos e novos empregos. É mais um exemplo de que a legislação ambiental não bloqueia o progresso, ao contrário, abre os caminhos de uma nova economia. O mesmo se pode dizer da eliminação de componentes tóxicos.
Um exemplo interessante de município que busca se antecipar à lei de resíduos e já começa a planejar o manejo futuro de seu lixo é dado por Luciano Máximo na matéria do Valor:
O gasto anual da prefeitura de São Sebastião com limpeza pública é de cerca de R$ 20 milhões. Um quarto desse valor é destinado só para levar as 110 toneladas diárias de lixo até o aterro sanitário mais próximo, em Tremembé, a 165 quilômetros da cidade. A lei federal aprovada no ano passado fez o prefeito Ernani Bilotti se inquietar: “Quando o aterro de Tremembé ficar saturado vamos ter que levar nosso lixo mais longe? Não dá mais para continuar assim.”
No ano passado, ele lançou concorrência para avaliar projetos de uma central de tratamento de lixo no município. “No litoral e na nossa região do Parque da Serra do Mar não se aprova a abertura de um aterro sanitário. A única saída é a construção de uma usina térmica ou biomecânica de lixo. Tivemos seis estudos apresentados e escolhemos a segunda opção. Agora vamos licitar a usina por PPP, porque não temos R$ 150 milhões do investimento nem condições técnicas para tocar o projeto.”
O prefeito está conversando com a comunidade sobre a localização da usina, explicando que não se trata de um aterro ou depósito de lixo, mas de uma indústria “limpa”.
Esse é o caminho. O mapa da economia de baixo carbono já existe. Quem procura acha. Só não vê quem não quer.
fonte: ecopolitica