O desafio da agricultura familiar é o acesso à tecnologia

Eustaquio_VieiraA maior parte dos ganhos de renda para a agricultura comercial e familiar no últimos anos tem sido resultado da incorporação de conhecimento e de tecnologia. Enquanto acesso à terra e o trabalho, tem tido participação menor. Para José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas – IPEA e palestrante do 1º Congresso Internacional de Inovação e Sustentabilidade, o caminho para fechar o abismo entre a agribusiness e a agricultura familiar é garantir o acesso à tecnologia.
Recentemente premiado pelo artigo “Mudança tecnológica na agricultura: uma revisão crítica da literatura e o papel das economias de aprendizado”, Vieira Filho vai fazer sobre inovação no setor agrícola durante o CiiS.
Para ele, existe um falso dilema entre agricultura familiar e a comercial já que o desafio da tecnologia é o mesmo.
“É preciso parar com esta separação entre agronegócio e agricultura familiar. Esta subdivisão não contribui para pensar e planejar o setor agropecuário como um todo”, lembrou.
Vieira filho acredita que o desafio é conhecer a capacidade do setor de absorver tecnologia. Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, 27% dos proprietários rurais eram analfabetos e 78% dos dirigentes dos estabelecimentos agropecuários não receberam orientação técnica na produção.
Leia os principais trechos desta entrevista realizada com exclusividade para o blog do CiiS.
Blog do CiiS: Existe um conflito entre o agronegócio, latifundiário e monocultor, e as pequenas produções, que se propõem a plantar organicamente e a vender com objetivo de atender a demanda por alimentação. Na sua visão, a tecnologia pode ser um fator que consiga equilibrar estes interesses? Como?
Vieira Filho: É preciso parar com esta separação entre agronegócio e agricultura familiar. Esta subdivisão não contribui para pensar e planejar o setor agropecuário como um todo. Em pesquisas recentes organizadas aqui no Ipea, mostramos que há uma heterogeneidade estrutural muito forte na economia brasileira. No que se refere aos dados da concentração de renda, 0,4% dos estabelecimentos (os produtores de alta renda) são responsáveis por metade da produção brasileira. No outro lado, 63% dos estabelecimentos (a extrema pobreza) participam com 3,9% da produção. Nosso estudo mostrou também que tanto na agricultura comercial (6% dos estabelecimentos) quanto na agricultura familiar (29%) os estabelecimentos agropecuários encontram-se na faixa de baixo conteúdo tecnológico. De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 2006, considerando um incremento de 100% na renda bruta, os insumos tecnológicos explicam 68% desta flutuação, sendo que a terra e o trabalho explanam, respectivamente, 23% e 9%. Portanto, o grande problema a ser solucionado é o acesso à tecnologia. É preciso incorporar os produtores de baixo conteúdo tecnológico (tanto na agricultura comercial e familiar) na fronteira de produção, elevando assim a produtividade total dos fatores.
Para não ficar sem resposta, quanto à questão da produção orgânica ou biológica, sou cético quanto a isso. Tais produções não se viabilizam sem escala produtiva e em mercados globalizados, muito menos sem pensar em ganhos de produtividade, os quais aparecem com o uso de novas tecnologias. Apenas em regiões com renda muito elevada, tais produções se justificam, o que é o caso do mercado de Brasília, por exemplo. A renda elevada das pessoas é capaz de remunerar o preço alto de um produto (ou prêmio por ser orgânico ou biológico – características não mensuráveis), já que o impacto do consumo de bens agrícolas na cesta do consumidor é pouco expressivo em relação a sua renda. Entretanto, para a maioria da população, preço é uma variável fundamental, sem contar que um preço menor significa poupar renda para o consumo de outros bens, ou seja, a redução dos preços agrícolas redistribui renda na população como um todo.
Portanto, para uma família mais pobre, é difícil justificar a compra de um tomate mais caro apenas pelo fato dele ser orgânico ou biológico.
Blog do CiiS: Como ampliar o acesso dos pequenos produtores ao uso da tecnologia como um todo, em termos de acesso à internet, à máquinas de beneficiamento de produtos, enfim, ampliar o acesso a benefícios trazidos pela tecnologia?
Eustáquio: Em primeiro lugar, é preciso distinguir dois pontos: i) geração de tecnologia (que pode ser realizada pelo setor público e privado) e ii) capacidade de absorção de novos conhecimentos pelos produtores.
Na agricultura, o investimento produtivo é capaz de inovar (muitas vezes em novos processos produtivos), mas fundamentalmente de ampliar a capacidade de absorção de novos conhecimentos dos agentes. Apenas para uma observação crítica no segundo ponto, conforme os dados do Censo Agropecuário de 2006, 27% dos proprietários rurais eram analfabetos e 78% dos dirigentes dos estabelecimentos agropecuários não receberam orientação técnica na produção.
Assim, o papel da Embrapa, por exemplo, o de gerar desenvolvimento e inovação tecnológica para a sustentabilidade do setor agropecuário, fica comprometido, já que a capacidade dos agentes produtivos dentro do sistema de absorver e de assimilar novos conhecimentos é extremamente reduzida. Para ampliar o acesso às novas tecnologias, o governo deverá ter um planejamento tanto na educação quanto na extensão rural, que são pré-requisitos para a difusão das novas tecnologias. É um mito achar que o papel da Embrapa está dissociado desta política de ampliação de capacidade de absorção tecnológica. Além disso, é preciso entender que o ambiente institucional favorável ao desenvolvimento tecnológico no Brasil é anterior à criação da Embrapa e é mais complexo do que pensar em uma única instituição promotora do desenvolvimento.
Blog do CiiS: Na sua opinião, um encontro como o CiiS é capaz de catalisar soluções aos desafios expostos acima?
Eustáquio: Acredito que o CiiS é uma oportunidade para estimular o debate na sociedade nas grandes questões que podem balizar o desenvolvimento futuro. Devemos pensar a questão tecnológica ligada ao desenvolvimento sustentável, o que requer eficiência produtiva. Gerar tecnologia é importante. Creio que o Brasil gerou tecnologias com bastante sucesso após a revolução verde.
Entretanto, será importante repensar a estratégia da educação e extensão rural, questões de médio e longo prazo.
Blog do Ciis: Qual sua perspectiva ao término deste encontro?
Eustáquio: Espero contribuir com o debate chamando a atenção para o problema do acesso às tecnologias, da melhoria da educação e da ampliação da extensão rural. Acredito também que posso aprender com a troca de experiência e de informações sobre tecnologia e sustentabilidade.
Para conferir a programação completa do Congresso clique aqui.