Clamor Coletivo: Medicina, Ciência e Complexidade

Vivian Blaso** Profa. Vivian A. Blaso S. S. Cesar é Doutoranda e Mestre em Ciências Sociais, Especialista em Marketing e Sustentabilidade, Presidente da Organização do #Ciis2013. Ela estará no painel Comunicação, Cultura e Tecnologias que ocorrerá no segundo dia do Congresso (30/8). Veja a programa completa aqui https://www.facebook.com/Congresso.CiiS


CLAMOR COLETIVO

Sou a insatisfação. Mas só me realizo na manifestação coletiva.
Individualidade. Num clamor universal: o novo fenômeno social.
O modelo mundial está equivocado.
Numa nave, tão pequena de abundância terrena.
Voltar aos estudos tribais.
No respeito: a individualidade
O mundo: Clama
A uma simples felicidade!
Sorrir ao desconhecido, sorrir, sorrir
A telepatia global: a empatia
As necessidades: A paz, o sono tranquilo, o respirar, o ar puro
Enquanto viver: São quatro
Estações no ano
Nas colheitas sazonais
Um supre o outro, sem ganância, sem torpeza.
Enquanto escrevo o que penso, nunca saberás o que canto.
Enquanto escrevo o que digo, nunca saberás o que penso.
São os gorjeios dos pássaros
A natureza do encanto, o recôndito d’alma, a tênue seda do amor.
O segredo contido numa explosão interior. 
Atalir Ávila de  Souza ( Pai da autora do Blog Conversa Sustentável, Advogado e Poeta)

Está claro que estamos vivendo um clamor coletivo. Época de descrença nas instituições políticas, privadas e religiosas. Essa falta de crença tem levado as pessoas para as ruas, a manifestarem suas insatisfações, mas onde há descrença também há esperança. Se não fosse a descrença, não teríamos a esperança e não nos movimentaríamos por melhores condições de vida, afinal o discurso das instituições políticas, privadas e religiosas também é o nosso discurso e sempre nos direcionaram a buscar o bem-estar.
O desejo comum da nossa civilização é a felicidade, por isso estamos presenciando o movimento dos trabalhadores e de categorias como a dos médicos em busca de melhorias e autonomias que os estariam beneficiando em seus processos e dinâmicas de atendimentos cotidianos aos seus pacientes.
Vou tomar como exemplo o ato médico para chamar a atenção sobre a emergência de reformas que poderiam verdadeiramente transformar não só os médicos brasileiros, mas a sociedade como um todo.
Edgar Morin, em seu livro A via para o futuro da humanidade, dedicou um capítulo para analisar a situação da medicina e da saúde. O autor tomou como exemplo a medicina ocidental, que, em função dos progressos na pesquisa, ampliou a expectativa de vida no mundo ocidental de 25 para 80 anos, o que contribuiu com a medicina ensinada nas faculdades e a tornou legítima e aceita pela comunidade científica.
A partir da década de 60, com o aparecimento da AIDS, a comunidade de médicos ficou abalada e tomou consciência de que não seria possível controlar a proliferação de vírus e bactérias. Com isso, foi necessário repensar os protocolos e rever as crenças de que este processo racional legitimado não produzia somente verdades racionais.
Nessa mesma época, em Nova York, Rachel Carson desencadeou uma série de debates nacionais sobre o uso de pesticidas químicos e os limites do progresso tecnológico, pois o uso indiscriminado de pesticidas começava a afetar a vida de pessoas, plantas e animais. Segundo Morin, a consciência ecológica nos fez reconhecer os limites dos poderes humanos sobre a natureza.
Para ele, as hiperespecializações na medicina compartimentalizaram os saberes sobre o corpo e separaram o corpo em partes fragmentadas. Essa fragmentação promoveu a separação entre disciplinas, que oculta as conexões complexas que existem entre as partes do corpo e suas correlações com o ambiente. O indivíduo é tratado como paciente, mas ignorado como pessoa. Há uma disjunção entre a medicina que trabalha o corpo e as diversas psicoterapias, ou seja, a medicina trata o organismo, mas raramente trata a pessoa inserida em seu contexto social.
O desenvolvimento farmacológico empobreceu o conhecimento fitoterápico, e hoje nenhum ensinamento universitário mostra que o ser humano é multidimensional. Dessa forma, a ciência e a medicina isolaram os indivíduos. Mas o indivíduo vive em diversos circuitos e faz parte de uma biosfera, e isso reflete a imagem das necessidades de mudanças necessárias à nossa civilização contemporânea.
Pensar na medicina ocidental requer o complexus, isto é, aquilo que é tecido em conjunto. Como posso tratar um paciente ignorando que ele é um sistema aberto recursivo e interacional? 
A medicina requer a transdisciplinaridade – um modo organizador que pode atravessar as disciplinas e vai convergir para a unidade. Para reformar a medicina é necessário também reformar a ciência; precisamos religar o que foi desligado. É necessário contextualizar e recontextualizar as relações entre os saberes fragmentados.
Como podemos desconsiderar os conhecimentos sobre a natureza, os alimentos e suas propriedades curativas? A medicina chinesa e a acupuntura inseridas nos procedimentos da medicinal ocidental? O papel da religião como crença que cura? O saber dos xamãs? Esses dilemas ainda imperam na Sociedade Brasileira de Medicina, que até dias atrás conferia aos médicos o poder exclusivo de prescrever terapias aos seus pacientes. O que devemos fazer com o conhecimento de um fisioterapeuta que, na lida diária com seus pacientes, descobre práticas inovadoras de melhorias, por exemplo, das funções motoras?
Morin encerra o capítulo com as vias reformadoras da medicina e da saúde: a reforma dos estudos da medicina, reforma da relação médico/paciente, reforma da relação generalista/especialista, reforma dos orçamentos, a via das simbioses entre medicinas, reforma dos hospitais e da indústria farmacológica.
Há uma emergência de reforma não só no pensamento da medicina, mas na reforma da ciência. Essa é uma proposta ousada, mas não é impossível, uma vez que a reforma do pensamento nos sugere um reaprender a pensar, a religar todos os continentes que foram separados desde a visão cartesiana que percorre a ciência contemporânea até os dias de hoje. 
Ir para as ruas manifestar-se já é um ato corajoso nos dias de hoje, mas também é um sinal de mal-estar geral na civilização, por isso encerro o texto com uma frase de Freud: “Os juízos de valor dos homens são inevitavelmente governados por seus desejos de felicidade, e, portanto são uma tentativa de escorar suas ilusões com argumentos”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. Trad. Claudia Sant`Anna Martins. 1. ed. São Paulo:  Gaia, 2010.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César Souza. 1. ed. São Paulo: Penguin Classics, Companhia das Letras, 2011.
MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Trad. Edgar de Assis Carvalho, Marisa Perassi Bosco. 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2013.