”Inclusão social e spread menor podem ser incompatíveis”

A ”bancarização”, processo que abriu o mercado financeiro para milhões de pessoas, envolve mais riscos para os bancos. E isso leva a juros maiores, diz o executivo
13 de março de 2011 | 0h 00

David Friedlander e Ricardo Grinbaum – O Estado de S.Paulo

Poucos temas exigiram tanto de Fábio Barbosa nos quatro anos à frente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban)quanto o tamanho do spread cobrado no Brasil. No dialeto da praça financeira, spread é a diferença entre a taxa que o banco paga na captação de dinheiro e a que cobra do cliente. Há poucos dias de transferir a presidência da entidade para seu sucessor, Murilo Portugal, o tema reaparece na agenda de Barbosa.

Werther Santana/AE
O spread caiu nos últimos anos, mas voltou a subir este ano. De dezembro para janeiro, a taxa aumentou de 24,1% para 25,6% para as empresas, e de 28,8% para 31,5%, para as pessoas físicas. Desta vez, diz Barbosa, a alta foi motivada por uma atitude deliberada do governo, que adotou medidas para encarecer o crédito, esfriar o consumo e assim se proteger contra uma retomada da inflação.

Mesmo assim, Barbosa faz um alerta. O processo de inclusão social no Brasil levou gente nova aos bancos, um fenômeno chamado de “bancarização”. Esse público está tomando crédito pela primeira vez e, para os bancos, ainda representa risco. Para eles, sim, o spread é maior. “Bancarização e spread menor podem ser coisas incompatíveis”, afirma o executivo.

Nesta entrevista, Barbosa também aborda temas como o papel dos bancos e o caso Panamericano.

Até o ano passado, os bancos e o governo diziam que o spread cairia no Brasil. Ele até diminuiu, mas agora voltou a subir. Por que?

Ao longo dos últimos anos houve uma redução importante do spread. Ele subiu agora como resposta a ações do governo, que tomou medidas para evitar que o crescimento acelerado pudesse pressionar a inflação. As medidas, aumento do compulsório dos bancos e da necessidade de capital para suportar novas operações, foram justamente para encarecer o crédito, desacelerar o crescimento e evitar a aceleração da inflação.

O spread vai continuar subindo?

Não sei. As medidas foram adotadas em dezembro e o spread já subiu. Não parece haver necessidade de continuar – a não ser que o governo venha a adotar novas medidas. Mas é preciso deixar claro que spread não é a margem de lucro do banco. Ele é a diferença entre o custo de captação do dinheiro e o custo do empréstimo. Aí dentro cabem várias coisas: compulsório, impostos, inadimplência e os custos da organização. O que sobra para o banco é só um pedaço do spread.

E quanto esse pedaço aumentou?

A margem de lucro dos bancos não aumentou.

De quanto é a margem dos bancos?

Do spread bruto, 27% é a margem de lucro dos bancos. Os outros 73% são custos, dos quais 27% a 28% são impostos. Imposto assim sobre a intermediação financeira não existe em outros países.

E como é a margem de lucro dos bancos em outros países?

O retorno sobre o capital nos bancos brasileiros é mais ou menos 16%. O Brasil está um pouco acima da média, mas não é nada absurdo. Há uns outros dez países relevantes que têm retorno sobre o capital maior.

Desde o fim da hiperinflação (anos 90), espera-se que os juros e o spread no Brasil caiam a níveis de países desenvolvidos. Mas esse dia nunca chega…

Primeiro, o spread já caiu bastante. Entre 2002 e 2010, a média caiu de 31% para 24%. Para a pessoa física, de 55% para 28%. Segundo, como já disse, a intermediação financeira aqui é muito tributada. Mas, além disso, existe uma outra questão. A sociedade precisa escolher entre o desejo de bancarização (a popularização do banco)e o desejo de taxas menores de juros.

Não podemos ter as duas coisas?

As duas coisas podem ser incompatíveis. Com o processo de inclusão social no Brasil, milhões de pessoas e muitas pequenas e médias empresas entraram no mercado. Passou-se a emprestar também para eles. Quando começo a trabalhar com uma massa de pessoas que eu não conheço, que representam um risco de fato maior, o spread não pode ser igual ao de uma Petrobrás, por exemplo. Se eu cobro 0,5% da Petrobrás, o spread da Barbosa & Irmãos (empresa fictícia) vai ser de 5,5%, porque eles são menores e o risco é maior.

O sr. não teme que o brasileiro tenha se endividado demais nos últimos anos?

Ao contrário do que aconteceu no exterior, onde a renda não crescia e as pessoas se endividavam de uma forma crescente, aqui a coisa é diferente. Primeiro, a renda está aumentando. Segundo, os juros baixaram, os prazos se alongaram, as garantias aumentaram e por isso os custos caíram. Então, a relação da renda das famílias com obrigações financeiras ficou estável. Embora ele tenha dívidas maiores, o ônus dessa dívida sobre sua renda não é maior do que anos atrás.

Os novos aumentos de juros do BC não podem desequilibrar essa relação?

Não. Os aumentos não chegam a afetar os contratos em andamento, eles desestimulam novos empréstimos.

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cresceu muito nos últimos anos e há dias o governo anunciou mais um repasse de R$ 55 bilhões para ele. O argumento oficial é que os bancos privados não estão preparados para substituir o BNDES no financiamento de longo prazo …

A sociedade cobra que o BNDES está recebendo capital porque os bancos não financiam a longo prazo. Não é porque não quero. Pelo contrário, vivo de emprestar. Temos conversado com o governo sobre quais são as condições necessárias para isso. O conceito básico é que um banco não pode fazer empréstimo de longo prazo se sua captação for toda de curto prazo. E isso não se faz obrigando o cliente a investir por dez anos, se faz criando instrumentos financeiros para permitir que ele vá ao mercado secundário e encontre liquidez para seu papel, como acontece mundo afora.

O que falta para isso acontecer?

Precisamos trabalhar um pouco a mentalidade das pessoas. Elas querem investir o dinheiro basicamente indexado ao CDI (certificado de depósito interbancário) com liquidez diária. Mas como posso emprestar dinheiro para Belo Monte (a Hidrelétrica do rio Xingu), que o cara vai me devolver daqui a 20 anos, se você pode resgatar o dinheiro no dia seguinte? Estamos discutindo isso com o BC. Estamos discutindo a criação de um mercado secundário.

Na crise, o governo incentivou o Banco do Brasil a comprar parte do Votorantim e a Caixa Econômica Federal a se tornar sócia do Panamericano. O objetivo seria estimular o crédito. Qual sua avaliação sobre estes negócios?

A compra do Panamericano e do Votorantim foram a maneira pela qual o governo operacionalizou o papel de agente contracíclico. Em outros países, foi feito através de empréstimos para grandes bancos. No Brasil, foi através da compra de dois agentes importantes, que ajudaram a disseminar o crédito.

Por que os bancos, por meio do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), salvaram o Panamericano e livraram Silvio Santos das dívidas?

Com relação ao Panamericano, o FGC deu os esclarecimentos necessários. Em todo caso, o conceito sempre foi a preservação do sistema financeiro. Depois que dá o problema e uma instituição quebra, como aconteceu com o Lehman (Brothers, que detonou a crise econômica mundial), ficam as questões: será que não teria sido melhor salvar o Lehman? O Panamericano é um pouco isso. Para o setor financeiro como um todo, a avaliação foi que era melhor segurar do que ter a quebra e ter de lidar com os cacos. Foi uma decisão muito centrada na ideia de preservação do sistema financeiro, que tem suas fragilidades e vive da confiança.

E o fato do Silvio Santos sair sem dívidas dessa confusão?

Cada caso é um caso. Naquele momento, o dano menor era esse. Será que se tivesse deixado quebrar para deixar imputar uma perda maior para o acionista (Silvio Santos) teria sido melhor para a sociedade? Tem lições a serem aprendidas. Mas estou convencido que naquela situação foi a melhor decisão.

Qual foi seu momento mais difícil na Febraban?

Sem dúvida foi na crise econômica de 2008 e 2009. Os bancos retraíram num primeiro momento suas operações de crédito, como seria natural. Foi uma fase difícil, mas em nenhum momento a gente se furtou a conversar com o governo sobre quais eram os receios e qual era a situação no mercado internacional. Conversamos de forma muito aberta, e a pressão em cima dos bancos, especialmente em cima de mim, foi muito grande sobre se os bancos estavam ou não agregando valor, querendo colaborar ou não. Desde o primeiro momento, nós colaboramos.

Que marca o sr. acha que deixa na entidade?

Transparência. Quando acende a luz, tudo fica mais fácil. Essa foi a marca. Há menos de um ano, por exemplo, trouxemos o pessoal do sindicato para discutir a dinâmica de resultados dos bancos. E o pessoal na época ficou meio preocupado com que o sindicato ia fazer com essas informações. Quanto mais eles souberem sobre os bancos, melhor. Adiantou alguma coisa? Não sei. Mas acho que todos ganhamos. Se educação é o grande tema, as pessoas devem se educar sobre os assuntos sobre os quais opinam.


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